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O ex-ministro, parlamentar e dirigente petista Ricardo Berzoini homenageou o ex-presidente Lula em artigo publicado pela revista Fórum, lembrando que o “agitador de fora”- como Lula é classificado- prestou relevantes serviços ao país. No texto, Berzoini relembra a trajetória de Lula desde a luta pela redemocratização do País- quando o ex-presidente comandava o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo- até a chegada à presidência da República, quando Lula recuperou a economia, fortaleceu diplomaticamente o Brasil no cenário internacional, e ainda propiciou o exercício da cidadania e a ascensão social a milhões de brasileiros.

Leia o artigo abaixo:

De senhor à raça superior era apenas um passo; portanto, o direito de dominar, a inquestionável superioridade do burguês como espécie, implicava não apenas inferioridade, mas idealmente uma inferioridade aceita nas relações entre homens e mulheres (que mais uma vez simbolizavam muito sobre a visão burguesa do mundo). Os trabalhadores, como as mulheres, deveriam ser leais e satisfeitos. Se não o fossem, era devido àquela figura crucial do universo social da burguesia, “o agitador de fora”.

Embora nada fosse mais óbvio a olho nu que o fato de que os membros dos sindicatos eram sempre os melhores trabalhadores, os mais inteligentes, os mais preparados, o mito do “agitador de fora” explorando as mentes simples, mas basicamente operativas dos trabalhadores era indestrutível. (Eric Hobsbawn, A Era do Capital).

O agitador de fora, Luiz Inácio, é o centro das atenções, de novo. Essa figura extraordinária, que dominou a disputa de poder no Brasil, desde os anos 70, e que projetou-se para o cenário internacional, alinhando-se às grandes referências do planeta. Começou agitando as mentes simples dos metalúrgicos de São Bernardo, afirmando que não deveriam aceitar o arrocho salarial imposto pela ditadura.

Sim, afirmava que era possível derrotar a ditadura na questão salarial. Por conta disso, tornou-se peça importante da luta pela redemocratização do país. Claro que os políticos profissionais e os sociólogos aspirantes a político profissional definiram um papel restrito para ele. Ser um peão no jogo de xadrez da luta contra o autoritarismo.

O agitador de fora não se limitou. Liderou a fundação de um partido político, fadado ao fracasso, na visão de políticos e sociólogos aspirantes. Não havia como dar certo. E não foi fácil superar as primeiras frustrações. Mas, talvez por teimosia, também comandou a criação de uma central sindical, que foi acusada de promover a divisão dos trabalhadores. No partido e na central, surgia uma geração de jovens agitadores de fora.

Na luta contra as manipulações macroeconômicas dos governos que se sucederam à ditadura, no debate sobre a igualdade racial e da questão de gênero, nos embates ambientais, na discussão sobre as estratégias da soberania nacional, lá estavam incontáveis agitadores de fora, seguidores e construtores da imagem do Luiz Inácio.

Contra o agitador de fora, muitas acusações, intrigas, mentiras. Casa no Morumbi e no Guarujá, hábitos burgueses, fofocas e piadas. Era ignorante e manipulador. Aproveitador e demagogo. Como o partido que não podia dar certo crescia, começou a despertar inveja nos profissionais e nos aspirantes. A prova de que o time modesto do agitador podia jogar na primeira divisão veio em 88, com a eleição de Erundina, Olívio e Vitor Buaiz.

O partido fadado ao fracasso agitava o imaginário político do país. Um ano depois, o agitador ousou propor-se presidente da República e, pior, foi ao segundo turno, exigindo que o burguês superior unificasse sua tropa em torno de Collor e usasse a manipulação midiática para derrotar o agitador de fora.

O agitador Inácio estava definitivamente na primeira divisão, com seu time estrelado. Como o presidente da burguesia superior não termina o mandato, eles resolvem que um dos sociólogos aspirantes seria o nome ideal para ser o anti- Lula. Afinal, tinha um verniz de intelectualidade esquerdista, ainda que falsa.

O professor seria o anteparo para manter a burguesia calma e não permitir que o agitador de fora, teimoso em disputar, fosse capaz de alcançar a vitória. Mas, ao final de oito anos de sôfrega adesão ao Consenso de Washington, o país estava à beira do abismo, com desemprego nas nuvens e exclusão social ainda mais crítica. O agitador de fora foi eleito para demonstrar sua inferioridade e fracassar, pedagogicamente cair por terra em seu delírio de grandeza.

Mas, ora vejam, não foi bem isso o que a vida nos apresentou. O agitador de fora, sempre atacado, ironizado e avacalhado pela mídia burguesa, superou suas crises, mobilizou energias, inclusive de parcela da burguesia superior, ávida por lucros, e conduziu o país a um renascimento de auto-estima. Saneou as contas, gerou crescimento e emprego, acumulou reservas, construiu programas sociais e projetou uma nova política externa, na qual era o Brasil um agitador de fora na cena diplomática.

Fortaleceu a Petrobras, que descobriu as formidáveis reservas do pré-sal. Tratou de igualdade racial, dos direitos das mulheres, da cidadania de gays e lésbicas, reconheceu terras indígenas, ousou realizar a transposição das águas, e reduziu a desigualdade. Tudo isso, apesar de um Congresso Nacional fisiológico, repleto de partidos de aluguel. Enfrentou a crise financeira mundial com ousadia, fazendo o tsunami reconhecer que poderia ser tido como marolinha se enfrentado com determinação. O agitador de fora fez sua sucessão, com a primeira mulher a presidir o país, embora as mulheres da burguesia superior torcessem o nariz para aquela militante que superou a prisão, a tortura e um câncer.

Os burgueses superiores, depois de tantas derrotas, decidiram que era preciso romper as regras para derrotar o time do agitador. Juízes devidamente orientados garantiriam a legalidade dos gols de mão. Golpe, que golpe?? Trata-se de impedimento da mandatária que pedalou. As instituições estão funcionando.

Mas, rapidamente, a torcida percebe a fraude, e nota que a maracutaia era para empobrecer a própria torcida, retirar seus direitos trabalhistas e previdenciários, entregar o patrimônio da Nação, inclusive o petróleo do pré-sal, que era o passaporte para um outro Brasil possível. Como o assunto ficou grande demais para a superioridade burguesa tupiniquim, foi preciso da burguesia do Norte. Afinal, geopolítica do petróleo e os movimentos para criar o Banco dos BRICS e o Fundo dos BRICS, ousando desafiar FMI e Banco Mundial são assuntos importantes em Washington. Esse é um trabalho para Uncle Sam.

É preciso colocar o agitador de fora em seu devido lugar. Mas a torcida não abandona as arquibancadas e pede em coro, a cada nova pesquisa, a escalação do agitador, meia-esquerda de tiro certeiro. O desemprego, a desesperança, pedem de novo um sonhador para sonhar um sonho bom.

Perplexa, a burguesia superior acelera o passo. Algo precisa ser feito, nem que precisemos romper a tradição judiciária, de só retornar em fevereiro e, ainda em janeiro, reafirmar o que a mídia burguesa afirma e reafirma. O agitador é corrupto. O agitador não será escalado, não terá condições legais de disputar mais uma final. O agitador tem que ser preso, humilhado, massacrado.

O agitador e seu time de agitadores não se resignam. Vão, mais uma vez, encarar a superioridade burguesa. Vão agitar os pobres, os operários, as mulheres, os negros, os índios, os gays e lésbicas, para mostrar que não somos um bando num território, mas podemos ser uma Nação, num país. Uma sociedade, sem superiores nem inferiores.

O agitador, despertou nos operários a vontade de lutar, mostrou que era possível um partido dos trabalhadores, uma central sindical de combate, que mulheres e negros devem lutar, que é possível vencer eleições, contra a máquina midiática, que é possível gerar milhões de empregos e fortalecer o salário mínimo, que empregados domésticos são trabalhadores. Que o Brasil pode falar grosso com Washington e ser irmão de La Paz.

Os trabalhadores, como as mulheres, deveriam ser leais e obedientes. Mas tem sempre um agitador de fora para atrapalhar o sono da burguesia. Não dá para parar um rio, quando ele corre paro o mar, não dá para calar um Brasil, quando ele quer cantar.

 

*Ricardo Berzoini foi deputado federal por quatro mandatos, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, é ex-ministro da Previdência Social e do Trabalho, nos governos Lula e das Comunicações e Relações Institucionais no governo de Dilma Rousseff.

Da Revista Fórum