youtube facebook instagram twitter

Conheça nossas redes sociais

Um advogado no arquipelágo

O período que se iniciou ontem com a publicação do acórdão da condenação do TRF-4 marcará a busca de uma saída para manter um duplo afastamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: das grades e das urnas. O arranjo tem muitos beneficiários além do réu, sendo o atual ocupante do Palácio do Planalto o mais equipado para propiciar as condições de sua realização.

Apenas a reeleição de Michel Temer, cenário tão improvável quanto a vitória do Panamá na Copa da Rússia, o livraria do juízo de Curitiba a partir de 1º de janeiro. Não há como o presidente ser indiferente ao destino jurídico ou político de Lula. Se a prisão do petista é o aviso prévio para o atual titular, sua presença na cédula eleitoral fraturaria a base de apoio do governo e enfraqueceria a capacidade de Temer ter voz na sua sucessão.

O voto do ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes pela confirmação da prisão em segunda instância sinaliza no sentido contrário da acomodação, mas não a impede. O placar não está consolidado em favor da tese. Em 2016 o Supremo confirmou-a por 6 (Barroso, Cármen, Fachin, Fux, Gilmar e Teori) a 5 (Celso, Lewandowski, Marco Aurélio, Rosa e Toffoli). Moraes confirmaria o voto daquele ministro a quem substituiu (Teori).

O placar estaria mantido não fosse a dubiedade de Gilmar Mendes. Em entrevista a Mônica Bergamo, da “Folha de S.Paulo”, o ministro ignorou a declaração da presidente da Corte de que não pretende pautar novamente o caso e sinalizou o rumo da conciliação: a questão vai chegar de um jeito ou de outro ao Supremo, Lula tem direito a recorrer contra a prisão, mas não contra a inelegibilidade.

É neste imbricamento entre o destino de Lula e o poder que se dá a entrada do ex-ministro do Supremo, Sepúlveda Pertence, em sua equipe de defesa. O novo advogado do petista acumula 57 anos de Brasília, onde desembarcou, recém-formado, de Belo Horizonte, com uma ficha no Dops como dirigente da UNE e interlocutor de Fidel Castro. Promotor de carreira, foi escolhido procurador-geral da República por Tancredo Neves e nomeado para o cargo por José Sarney. Foi chefe do Ministério Público no período de transição de uma instituição a quem cabia o controle das ações que chegavam ao Supremo.

Livrar Lula da prisão e mantê-lo longe das urnas é tarefa de contorcionista. O atributo foi registrado no currículo do então PGR há 30 anos. Na transição do regime, Sepúlveda recebeu representação, liderada pelo senador Roberto Campos, contra a Lei de Informática defendida pelo governo ao qual servia. Pois resolveu encaminhar a ação com voto contrário. A Adin tramitaria lentamente no Supremo por dois anos até ser rejeitada. O episódio resultou no minicurrículo preparado pelo senador para a sabatina do então candidato ao STF: “Para ser ministro do Supremo é preciso ter saber jurídico, gosto pelo trabalho e reputação ilibada. A este senhor que está como candidato, tenho o desprazer de dizer que lhe faltam todas essas qualidades”.

A carreira do defensor de Lula está contada na entrevista de seis horas concedida ao projeto História Oral do Supremo (FGV). Neste depoimento, Sepúlveda busca se reconciliar com a instituição da qual é originário pela frase (“O senhor me deixou solto, e eu não sou o Golbery mas criei um monstro”) dita na última audiência com Sarney como PGR: “O saldo do MP é amplamente positivo”.

A intimidade com os dois lados do balcão lhe foi garantida pelos 18 anos na Corte. No impeachment de Fernando Collor, estava do outro lado. Questionou a exigência de que o crime de corrupção passiva demandaria ato de ofício. Não faltará quem encontre semelhanças com o acórdão de Porto Alegre.

Com a palavra, o novo defensor do ex-presidente em depoimento de 2013: “Entendia que, além de outros argumentos jurídicos e de direito comparado, sobretudo em se tratando de um presidente da República, de um chefe de governo, que os interesses, sobretudo de grandes empresas, não eram, necessariamente, para obter prática de um ato determinado, a não ser em situações concretas. Bastava a preocupação de não ter a adversidade, a antipatia de um governo com tantos poderes de intervenção econômica como são os do presidente da República do Brasil. Bastava para configurar crime, que determinado ato de corrupção visasse apenas não criar uma barreira entre a empresa do corruptor e o governo”.

Os vínculos entre Lula e seu novo advogado são antigos. Sepúlveda o defendeu na década de 1980 no processo por crime contra a Segurança Nacional. Na campanha de 1989, quando tinha acabado de chegar ao Supremo, foi cogitado para a vice do petista. De todos os presidentes com quem conviveu como ministro do Supremo (Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula), o petista é o único a merecer, durante sua longa entrevista à FGV, a observação: “Nunca recebi dele uma palavra sobre julgamento no Supremo Tribunal”.

A intimidade do advogado com seu cliente ajudará na conjunção entre a estratégia de defesa e a articulação política do líder petista. Não é coincidência que o anúncio do novo advogado tenha sido concomitante ao cancelamento do lançamento da pré-candidatura de Lula em Belo Horizonte e à ordem para baixar a bola da confrontação.

Os embargos de declaração não se prestam a reverter decisões, mas dão ao processo o tempo de que a defesa precisa para as batalhas que parecem mais importantes: o julgamento da prisão em segunda instância e o habeas corpus. As divisões da Casa em torno do tema não são desconhecidas. É de Sepúlveda Pertence a expressão “arquipélago de onze ilhas” para definir a Casa à qual serviu.

A estratégia da defesa baseou-se, até aqui, na ideia de que uma boa fatia do eleitorado disposta a votar em Lula quebraria mastros contra sua prisão. Uma campanha que exclui Lula e mantém a camarilha que distribui as cartas do jogo deve se traduzir em graus de absenteísmo amazônicos. Mas, por enquanto, é só. A liberdade em troca da candidatura parece, a esta altura, vantajosa para os contendores mas ainda é uma barganha que vaga numa garrafa entre as onze ilhas do arquipélago.

Conversa Afiada