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Especialistas avaliam que a cidade se aproxima de uma situação insustentável. Ruas e avenidas do DF não podem mais ser expandidas e a prioridade deveria ser os transportes público e alternativo

O Distrito Federal ultrapassou a marca de 2 milhões de veículos registrados em circulação, de acordo com dados do Departamento de Trânsito (Detran-DF). A capital do país fechou o ano passado com 2.026.118 equipamentos de transportes — aumento de 3,82% em relação a 2022, quando o DF tinha cerca de 1.951.546 (confira o gráfico). Para especialistas, a cidade se aproxima de uma mobilidade urbana insustentável, pois, entre outras questões, as vias teriam alcançado o estado de saturação.

Um dos que têm percebido os problemas de mobilidade de carros é o analista administrativo Isak Cosmo de Sousa, 33 anos. Ele conta que, há 10 anos, faz o trajeto do Gama até o SIA diariamente. “Os engarrafamentos são rotineiros para mim. Em dias sem intercorrência no trânsito, os quais são raros, esse trajeto dura facilmente de 50 minutos a uma hora”, calcula. “Nesse período, tenho percebido um fluxo maior de veículos. É fácil visualizar esse aumento”, observa.

Ele afirma que, em 2012, nos primeiros meses em que começou a atuar no SIA, tentou utilizar o transporte público, mas a falta de linhas o obrigou a utilizar o carro. “Atualmente, temos apenas um único ônibus, em um horário bem específico, pela manhã, que faz esse trajeto saindo diretamente do Gama”, lamenta. “Para os demais horários são necessários três transportes coletivos para chegar ao destino, o que acaba dificultando a opção pelo transporte público”, reclama.

Isak Cosmo ressalta que os atrasos no trabalho são apenas um dos transtornos que enfrenta por causa do fluxo cada vez maior de veículos. “Destaco também a dificuldade de estabelecer uma rotina de horários”, comenta. “É comum você estabelecer uma hora de sair para chegar a determinado local. Fazendo o mesmo trajeto, os horários de chegada variam. Isso acaba gerando prejuízos também na parte psicológica dos motoristas, como ansiedade, stress e falta de paciência”, acrescenta.

A babá Vânia Cristina, 40, também enfrenta o trânsito caótico, apesar de não ter um carro. A moradora de Valparaíso (GO) afirma que, trabalhando no Sudoeste há três anos, tem dificuldades na rotina. “É muito engarrafamento e, pegando o transporte lotado, acabo tendo que ir em pé algumas vezes, o que faz eu já chegar cansada no trabalho, porque passo até 2h dentro de um coletivo, todos os dias”, desabafa. “Tem dias que acabo recorrendo ao transporte pirata, para fazer uma viagem mais confortável”, revela enquanto entra correndo em um carro que faz viagens de passageiros de forma irregular.

Insustentável

Doutora em transportes pela Universidade de Brasília (UnB), Adriana Modesto acredita que o governo local, de certa forma, colabora com o que ela classifica como “estrutura de poder no trânsito”, ao preterir as necessidades dos demais usuários — pedestres, ciclistas e usuários do transporte público coletivo — em suas ações e políticas públicas. “Em síntese, eleva o automóvel à condição de ‘senhor das vias’, priorizando suas demandas e, por consequência, deixando de perceber o transporte como potencial indutor do desenvolvimento social e tornando o espaço urbano menos humanizado e democrático”, aponta.

Para a especialista, são notórios os transtornos decorrentes do uso massivo de veículos individuais. “A piora da qualidade de vida, em razão dos congestionamentos que acabam acarretando maiores tempos de viagem, problemas relacionados à questão ambiental e à saúde pública, além da maior probabilidade da ocorrência de sinistros de trânsito”, detalha. “Desta forma, toda a sociedade acaba sendo penalizada”, alerta Adriana. Ela afirma que multiplicar viadutos, vias, túneis, aproxima o DF de uma “mobilidade urbana insustentável” e incapaz de corrigir os transtornos experimentados cotidianamente pela população.

Doutor em segurança de trânsito e presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte ressalta que não é possível fazer uma projeção sobre o crescimento da frota, mas acredita que ela esteja perto de alcançar a saturação. “Isso por causa da capacidade da população de adquirir um veículo. Atualmente, não se gasta menos do que R$ 1 mil por mês, somente com manutenção de um carro, fora a prestação”, calcula.

Além disso, o especialista observa que as vias estão suportando o máximo de sua capacidade. “Tanto as principais quanto as secundárias, pois elas não têm mais para onde crescer”, aponta. “A perda de tempo no trânsito, por isso, é absurda”, avalia Duarte.

Protagonismo

Para a especialista Adriana Modesto uma das alternativas para desestimular o uso massivo de veículos individuais motorizados é o investimento em transporte público coletivo. “Para reverter esse panorama adverso, urge que seja contemplada diversificação de modais, de sistemas de transportes, de modo a amenizar tamanha dependência do modal rodoviário”, acrescenta.

O presidente do IST pontua que o crescimento da frota de veículos só se deu nesse ritmo por conta do transporte público precário. “Tanto na qualidade quanto no preço”, reforça. Para mudar a realidade do caos no trânsito do DF, David Duarte crava: “Não há solução para a mobilidade urbana sem que o transporte coletivo de massa seja o grande protagonista.”

Em nota enviada ao Correio, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) afirmou que trabalha constantemente em políticas públicas para a melhoria da mobilidade e do transporte público do DF. A pasta disse que monitora as operações do transporte público coletivo e faz os ajustes necessários, tais como aumento de viagens, mudança de itinerário e criação de linhas, para garantir a segurança e o conforto dos usuários.

A Semob ressaltou que vem implementando aumento de viagens em linhas mais demandadas, a fim de melhorar os deslocamentos de usuários do transporte público coletivo, e que o DF conta com mais de 150km de faixas exclusivas para ônibus, em diversos corredores, que reduzem o tempo das viagens no transporte coletivo.

De acordo com a pasta, em 2023, foram criadas 39 linhas de ônibus em 16 regiões administrativas. Além do Plano Piloto, que passou a contar com seis novas linhas, as seguintes regiões administrativas foram beneficiadas com mais de uma nova linha: Itapoã (7), Sobradinho (6), Planaltina (4), Estrutural (2), Fercal (2), Gama (2) e São Sebastião (2). Água Quente, Jardim Botânico, Park Way, Pôr do Sol, Riacho Fundo II, Samambaia, Santa Maria e Varjão receberam uma linha nova no ano passado.

A Semob também destacou a malha cicloviária do Distrito Federal que, segundo a pasta, tem 675 km de extensão e contempla 30 regiões administrativas. “Somente em 2023, as pistas destinadas às bicicletas aumentaram em 31 km e a capital se prepara para ter o maior sistema do tipo no país, com a previsão de entrega de mais 105 km e a interligação dos trechos já existentes”, reforçou a nota. A reportagem questionou se o DF está preparado para acomodar tamanha quantidade de veículos sem causar transtornos, como é o caso dos engarrafamentos, mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno.

Apocaplise viário

Por Adriana Modesto, doutora em transportes pela Universidade de Brasília (UnB)

Nos últimos dez anos o tamanho da frota de veículos do Distrito Federal tem aumentado de forma acelerada, superando marcas a cada exercício. Em 2024 já são contabilizados pouco mais de 2 milhões de veículos, sendo o suficiente para acomodar toda a população local.

Para compreendermos de forma aprofundada o que justifica a contínua majoração
da frota e seus potenciais impactos na mobilidade urbana, infiro que uma mera análise fotográfica não seria o suficiente, carece olhar no retrovisor do tempo e observar quais fatores vêm escrevendo a “novela”, uma obra aberta, que sinaliza a tendência de que recordes continuem sendo quebrados.

Mas, havendo a ciência de um repertório de transtornos, por que, então, os veículos
seguem como os protagonistas do trânsito? Parte da resposta também pode ser encontrada no fato de que a forma como as pessoas organizam seus deslocamentos é sensível a fatores individuais, familiares e externos, não está condicionado necessariamente à consciência do bem-estar coletivo. Em resumo, pode-se optar, ou ser empurrado para determinado modo por diversas razões: origem/destino; qualidade dos sistemas de transporte; carência de oferta diversificada de modais; custo; e faixa etária entre outras.

Além dos fatores supracitados, acrescento ainda à análise: quais sejam as prioridades e imbricações da tríade de Políticas Públicas (Planejamento Urbano, Planejamento de Transportes e Planejamento de Circulação); o modelo e os espaços de participação e controle sociais existentes; o efetivo diálogo entre a gestão e atores sociais vinculados à mobilidade urbana e o trânsito; e o papel da interdisciplinaridade científica na busca de soluções que, ainda que não eliminem completamente as adversidades, podem atenuar seus impactos.

Tendo em vista o ritmo do aumento da frota de veículos no DF, mas já me furtando ao papel de emissária do “apocalipse viário”, arrisco dizer que o horizonte é de esgotamento da capacidade de nossas vias, destacando que somos consideravelmente dependentes do modal rodoviário.

Ainda pertinente à capacidade das vias, destaco que além da frota genuinamente candanga, Brasília se constitui como unidade polarizadora e que, por essa condição, recebe diariamente frota adicional proveniente dos municípios que compõem a Área Metropolitana de Brasília, cuja população se desloca de seus locais de origem em busca de trabalho, estudo e acesso aos serviços.

Por óbvio que não há soluções fáceis para problemas complexos que envolvem fatores direta e/ou indiretamente relacionados à mobilidade urbana, mas em se tratando de uma obra aberta, ainda que em maior ou menor medida, somos coletivamente responsáveis pela mobilidade urbana que temos, assim, diante do futuro pouco alvissareiro, que tal alterarmos o desfecho dessa “novela” conferindo protagonismo a outros modos que não o carro?

(ARTIGO) Apocalipse viário

Adriana Modesto, doutora em transportes pela Universidade de Brasília (UnB)

Nos últimos dez anos o tamanho da frota de veículos do Distrito Federal tem aumentado de forma acelerada, superando marcas a cada exercício. Em 2024 já são contabilizados pouco mais de 2 milhões de veículos, sendo o suficiente para acomodar toda a população local.

Para compreendermos de forma aprofundada o que justifica a contínua majoração
da frota e seus potenciais impactos na mobilidade urbana, infiro que uma mera análise fotográfica não seria o suficiente, carece olhar no retrovisor do tempo e observar quais fatores vêm escrevendo a “novela”, uma obra aberta, que sinaliza a tendência de que recordes continuem sendo quebrados.

Mas, havendo a ciência de um repertório de transtornos, por que, então, os veículos
seguem como os protagonistas do trânsito? Parte da resposta também pode ser encontrada no fato de que a forma como as pessoas organizam seus deslocamentos é sensível a fatores individuais, familiares e externos, não está condicionado necessariamente à consciência do bem-estar coletivo. Em resumo, pode-se optar, ou ser empurrado para determinado modo por diversas razões: origem/destino; qualidade dos sistemas de transporte; carência de oferta diversificada de modais; custo; e faixa etária entre outras.

Além dos fatores supracitados, acrescento ainda à análise: quais sejam as prioridades e imbricações da tríade de Políticas Públicas (Planejamento Urbano, Planejamento de Transportes e Planejamento de Circulação); o modelo e os espaços de participação e controle sociais existentes; o efetivo diálogo entre a gestão e atores sociais vinculados à mobilidade urbana e o trânsito; e o papel da interdisciplinaridade científica na busca de soluções que, ainda que não eliminem completamente as adversidades, podem atenuar seus impactos.

Tendo em vista o ritmo do aumento da frota de veículos no DF, mas já me furtando ao papel de emissária do “apocalipse viário”, arrisco dizer que o horizonte é de esgotamento da capacidade de nossas vias, destacando que somos consideravelmente dependentes do modal rodoviário.

Ainda pertinente à capacidade das vias, destaco que além da frota genuinamente candanga, Brasília se constitui como unidade polarizadora e que, por essa condição, recebe diariamente frota adicional proveniente dos municípios que compõem a Área Metropolitana de Brasília, cuja população se desloca de seus locais de origem em busca de trabalho, estudo e acesso aos serviços.

Por óbvio que não há soluções fáceis para problemas complexos que envolvem fatores direta e/ou indiretamente relacionados à mobilidade urbana, mas em se tratando de uma obra aberta, ainda que em maior ou menor medida, somos coletivamente responsáveis pela mobilidade urbana que temos, assim, diante do futuro pouco alvissareiro, que tal alterarmos o desfecho dessa “novela” conferindo protagonismo a outros modos que não o carro?

Com informações do Correio Braziliense

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