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O presidente Lula em três momentos na semana que já entrou para a história. Em 19 de setembro, discursa na abertura da 78º Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York (EUA). Em 20 de setembro, também em NY, a cerimônia da ”Iniciativa Global Lula-Biden para o Avanço dos Direitos Trabalhistas na Economia do Século XXI’. E o encontro com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Fotos: Ricardo Stuckert/PR

Por Ângela Carrato*

Os livros sobre técnicas de jornalismo são unânimes ao indicar que os fatos devem merecer destaque proporcional à sua importância.

Esses mesmos livros ensinam que um fato de grande relevância não pode ficar limitado à cobertura tradicional.

Daí a necessidade de que a mídia, além das notícias, desdobre e aprofunde o assunto através de reportagens, análises e comentários voltados ao maior esclarecimento do público.

É isso que a mídia faz na maioria dos países.

Lamentavelmente não é isso que acontece no Brasil.

Aqui, a mídia corporativa, aquela que atua de acordo com o que o dono e/ou os principais anunciantes querem, se dá ao luxo de passar por cima até dessas técnicas elementares.

Um gravíssimo exemplo disso aconteceu na terça-feira (19/9), com o discurso que o presidente Lula fez na abertura da 78ª assembleia geral da ONU, em Nova York.

Considerado um pronunciamento histórico, pela abrangência dos temas e por apontar caminhos para os grandes problemas e impasses do mundo na atualidade, a fala de Lula repercutiu em todos os continentes, mas no Brasil mereceu cobertura superficial e antecedida por todo tipo de distorção.

Tamanho distanciamento da técnica jornalística tem nome e sobrenome: combate sem tréguas a Lula.

Não deve ser fácil para a família Marinho, por exemplo, divulgar o sucesso mundial de um nordestino pobre e ex-líder sindical que ela fez de tudo para derrubar e esteve na linha de frente de sua prisão, sem crime, em 2018.

Por mais que se diga “imparcial”, tais atitudes são reveladoras.

Antes da solenidade na ONU, esta mídia procurou envenenar a opinião pública ao dar destaque ao “grande número de dias em que Lula esteve ausente do país, em viagens ao exterior” ou aos “altos gastos com estas viagens”.

Não foi feita a mais leve referência à importância política da presença e atuação do Brasil em fóruns internacionais como MERCOSUL, CELAC, BRICS, G7, G20 e G77+ China e muito menos ao fato de o país voltar a ter voz no plano internacional, depois de transformado em pária por Bolsonaro.

Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo fizeram inclusive comparações entre os gastos de viagens de Lula e Bolsonaro tentando mostrar que os de Lula estão sendo maiores.

Claro que se “esqueceram” de mencionar que enquanto Bolsonaro enchia a maioria da população de vergonha, Lula está conseguindo devolver o orgulho de ser brasileiro.

A má vontade não terminou aí. Na véspera do pronunciamento de Lula, jornais, emissoras de rádio e de TV não pararam de divulgar a possibilidade de ele falar para um “plenário esvaziado” e também de “a estrela da 78ª assembleia geral da ONU ser o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky”.

Crítico da posição de Lula em defesa da neutralidade e da paz imediata na Ucrânia, Zelensky é o queridinho da mídia brasileira. Se dependesse dela, o Brasil, sem qualquer motivo, já teria se alinhado aos senhores da guerra.

Outra vez, tais prognósticos se mostraram furados, revelando mais o desejo de algumas penas de aluguel e de seus patrões, sem qualquer base nos fatos.

Ao longo dos 21 minutos de seu discurso, Lula foi aplaudido entusiasticamente sete vezes por um plenário lotado. Sua fala arrebatou as atenções mundiais.

Mais ainda: 50 chefes de Estado presentes solicitaram reuniões bilaterais com Lula.

Já o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que discursou em seguida, foi aplaudido protocolarmente uma única vez e representantes de países importantes como o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, discursaram para um auditório quase às moscas.

Quanto a Zelensky, que se manteve de cara fechada e não aplaudiu Lula em nenhum momento, ele, sim, falou para uma plateia esvaziada.

A terceira aposta da mídia corporativa brasileira contra Lula no plano internacional foi a de que ele seria levado a ceder e apoiar a guerra na Ucrânia, que interessa apenas aos Estados Unidos, à OTAN e a Zelensky.

Em uma conversa das mais aguardadas, que durou uma hora, Lula manteve sua posição em defesa da paz e Zelensky possivelmente ainda ouviu dele os riscos que corre por transformar a população ucraniana em bucha de canhão.

Não houve entrevista de Lula após o encontro, com ele se limitando a divulgar uma foto dos dois, sem o seu sorriso habitual, assinalando que “tive uma boa conversa sobre os caminhos para a construção da paz e mantermos sempre o diálogo aberto entre nossos países”. Lula venceu de novo!

Como errar é humano, essa mídia poderia ter se desculpado com o respeitável público, apresentando nos dias seguintes ao pronunciamento de Lula, o detalhamento do que disse, a importância e contextualização dos temas tratados.

Mais uma vez nada foi feito.

Nenhum veículo da mídia tradicional brasileira mostrou a importância da dura crítica que Lula fez ao neoliberalismo, cujas ruínas têm deixado espaço aberto para o surgimento de figuras de extrema-direita em diversos países.

Lula, claro, não citou nomes, mas todos sabem que Donald Trump, Bolsonaro e Javier Milei são alguns dessas nefastas figuras.

Não foi explicada a contundente denúncia que Lula fez das crescentes desigualdades no planeta e da urgência de se enfrentar a crise ambiental, não de forma linear, pois a responsabilidade dos países ricos é muito maior e eles devem arcar com isso.

Não foi igualmente explicada a urgência com que Lula tratou a necessidade de uma nova arquitetura para a ONU, capaz de abranger a realidade mundial.

Quando criada, há 78 anos, as Nações Unidas expressavam a situação do pós-Segunda Guerra, com três grandes vitoriosos: Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra.

Não é mais cabível se pensar no mundo controlado por uma só potência, como ainda pretende os Estados Unidos, após o fim da União Soviética em 1991.

Lamentavelmente alinhada aos interesses do Tio Sam, a patética mídia corporativa brasileira continua defendendo que tal situação seja possível.

Por isso, não explicou ao seu respeitável público as razões da defesa que Lula fez do fim do bloqueio que os Estados Unidos impõem a Cuba há seis décadas.

E nem explicou, igualmente, os motivos pelos quais Lula condena a prisão do jornalista australiano Julian Assange e fez veemente defesa de sua imediata libertação.

Assange está preso em Londres há mais de 11 anos, acusado de divulgar segredos dos Estados Unidos, quando, na realidade, o que mostrou para o mundo foram as atrocidades cometidas pelo Tio Sam na guerra no Iraque.

Tanto em relação ao bloqueio a Cuba quanto a Assange, o portal de notícias UOL, do grupo Folha de S. Paulo, foi ainda mais longe.

Omitiu do seu público esses dois importantes itens do discurso de Lula, deixando claro que no Brasil a única censura que ainda vigora é a das empresas jornalísticas, logo elas que se dizem defensoras da “liberdade de imprensa”.

Poucos líderes teriam a coragem de fazer essas denúncias, que implicam diretamente os Estados Unidos, falando da tribuna da ONU, em solo estadunidense. Não por acaso o respeito a Lula, inclusive entre seus adversários, não para de crescer.

Mas o pior para a mídia corporativa brasileira ainda estava por vir.

No dia seguinte, Lula esteve ao lado do presidente dos Estados Unidos para o lançamento de uma parceria internacional por trabalho decente e em defesa dos sindicatos.

Ao articular e participar desta iniciativa, Lula calou a boca da mídia brasileira que pretende tachá-lo como “antiamericano”.

Ele deu a maior força para Biden, que precisa do apoio dos sindicatos e da massa trabalhadora de seu país para tentar a reeleição no próximo ano.

Apoio útil também ao próprio Lula, quando se trata de reduzir a pressão da classe dominante brasileira em relação à volta do imposto sindical, abolido pela reforma dita trabalhista aprovada no governo do golpista Michel Temer.

Mesmo criticando a volta deste imposto, a mídia brasileira ficou sem argumentos para combatê-lo de forma mais incisiva, depois do apoio de Biden aos sindicatos e da vigorosa defesa que fez do trabalho e de sua adequada remuneração. Em outras palavras, Lula marcou um gol de placa.

As declarações de Biden estão longe de significar que o trabalho cada dia mais precarizado, inclusive nos Estados Unidos, esteja chegando ao fim.

Mas servem para não chancelar o avanço de discursos beirando a defesa da escravidão por parte da classe dominante brasileira.

Ainda no plano internacional, todos esses acontecimentos deixaram claro que na atualidade existe apenas um líder capaz de dialogar em pé de igualdade com figuras tão diferentes quanto Xi Jinping, Vladimir Putin e Joe Biden, de apresentar propostas e de implementá-las.

As dimensões de Lula agigantaram-se.

No entanto, ele continua enfrentando problemas na política interna.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, não satisfeito com os dois ministérios que abocanhou para indicados seus, quer agora a Caixa Econômica Federal.

É inaceitável que um banco público da importância da CEF, que concentra o pagamento de todos os benefícios sociais do governo, além de grande parte da poupança dos brasileiros, caia nas mãos da turma do “Centrão”.

Mesmo o Banco Central tendo reduzido em mais meio ponto percentual a taxa Selic, ela ainda está em estratosféricos 12,75%, emperrando a retomada do crescimento nacional e dificultando que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, consiga, como pretende, zerar o déficit fiscal em 2024.

Para a retomada do crescimento é fundamental juros baixos e que o país gere milhares de empregos, capazes de fazer frente aos quatro milhões de postos destruídos pela Operação Lava Jato.

Não por acaso, a mídia corporativa brasileira, que foi e continua sendo lavajatista, tem batido pesado no ministro do STF, Dias Toffoli, que determinou a anulação de todos os acordos de leniência da empresa Odebrecht e a investigação sobre os que utilizaram essas supostas provas em outros processos, entre eles o hoje senador Moro (União-PR) e a juíza federal Gabriela Hardt.

No Jornal Nacional, da TV Globo, por exemplo, o ex-juiz parcial Moro tem todo o espaço para criticar a decisão de Toffoli. Já o ministro do STF não tem direito à voz.

Haja censura empresarial!

Outro fato relevante da semana que passou foi a despedida do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, e da ministra do STF, Rosa Weber.

Ambos deixam os cargos no próximo dia 2, o primeiro, porque o mandato chega ao fim e Rosa, por completar 75 anos, idade limite para permanecer no serviço público.

Aras, que chegou a sonhar com uma absolutamente improvável recondução por parte de Lula, mereceu todas as honras da mídia em sua despedida.

Honras que ocultaram, por exemplo, não ter dado sequência aos pedidos de investigação por parte da CPI da Covid-19 sobre os crimes metidos por Bolsonaro contra a vida de mais de 300 mil pessoas, vítimas da falta de vacinas e do negacionismo.

Vai se firmando entre juristas e advogados a convicção de que Bolsonaro poderá ser processado e preso por isso.

Basta que as famílias que perderam membros por covid-19 juntem provas e abram processos mostrando que tais mortes aconteceram por falta de vacina ou por uso de medicamentos inadequados, como a hidroxicloroquina, “receitada” pelo então ocupante do Palácio do Planalto.

Na próxima sexta-feira (29/9), Lula fará a cirurgia no quadril. Vai ficar afastado da presidência por uns dias, período em que deve se concentrar na escolha dos nomes do novo procurador-geral e de quem ocupará a vaga de Rosa Weber.

Também nesses casos, que são da competência exclusiva do presidente, a mídia corporativa quer meter o bedelho, ao defender de forma descabida escolhas “identitárias”.

É importante lembrar que se a ministra Weber encerra o seu mandato no STF com um voto importante e progressista a favor da descriminalização do aborto, foi ela também que condenou sem provas, o ex-ministro José Dirceu, e votou contra a concessão de habeas corpus para o então ex-presidente Lula.

Some-se a isso que entre seus assessores, em determinado momento figurou o próprio Moro.

Para encerrar uma semana que ficará na história, o vazamento da suposta delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, à Polícia Federal, dá conta que o ex-presidente se reuniu com a cúpula do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para discutir detalhes de um plano de golpe para não deixar o poder.

O encontro teria acontecido logo depois das eleições de outubro.

De acordo com o que foi vazado, os comandantes do Exército e da Aeronáutica teriam se recusado a participar de uma intervenção militar.

Já a cúpula da Marinha teria dito que as tropas estavam prontas para agir, apenas aguardando uma ordem de Bolsonaro. A informação, revelada primeiro por O Globo e UOL, foi confirmada pela CNN.

Por algumas razões óbvias e outras nem tanto, essa informação precisa e deve ser apurada.

Vazamentos nunca são por acaso e a mídia corporativa não dá ponto sem nó.

Mauro Cid tem todo o interesse em limpar a imagem do Exército, logo ele que é filho de um general quatro estrelas e considerado um brilhante ex-aluno da Academia Militar de Agulhas Negras.

Por outro lado, não se pode esquecer que a mídia corporativa brasileira, em especial O Globo e Folha de S. Paulo, dona do UOL, apoiou e teve participação direta no golpe militar de 1964.

Não é fora de propósito se pensar que, agora, com a imagem das Forças Armadas no fundo do poço, possa querer dar uma ajudinha para melhorar a situação de alguns velhos amigos.

Quanto à CNN, seu franqueador no Brasil é o empresário Rubens Menin, um dos principais apoiadores da política econômica de Paulo Guedes e Bolsonaro.

Ele tem dado mostras de que pretende não sair mais do rol das famílias que controlam a mídia brasileira.

Há dois anos comprou a rádio de maior audiência em Minas Gerais, a Itatiaia, cujo noticiário segue à risca as suas conveniências.

Por isso, todo cuidado é pouco para não cair nas armadilhas da mídia e, menos ainda, em possíveis “contos de fardas”.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

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