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Lula consterna familiares de vítimas da ditadura ao ignorar aniversário do golpe

O presidente do Brasil proibiu as comemorações do golpe de 1964, possivelmente para evitar irritar os militares, já que oficiais superiores enfrentam a prisão por supostamente conspirarem para impedir que Lula assumisse o poder após as eleições de 2022

Parentes das vítimas da brutal ditadura de duas décadas no Brasil expressaram indignação e consternação pela suposta decisão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de bloquear eventos oficiais em memória do 60º aniversário do golpe de Estado militar de 1964.

Os ativistas esperavam que o governo de esquerda marcasse o aniversário dessa tomada de poder, 31 de março de 2024, com uma série de memoriais em homenagem aos milhares de pessoas que foram mortas, desaparecidas ou torturadas pelo regime de 1964-85.

O ministro dos direitos humanos, Silvio Almeida, havia planejado uma cerimônia e uma campanha de conscientização com o slogan: “Sem lembrança não há futuro”.

Mas Lula teria frustrado esses planos ao dar ordens explícitas contra tais comemorações.

A decisão aparentemente teve como objetivo evitar irritar os chefes militares num momento em que vários militares de alto escalão enfrentam a prisão por supostamente conspirarem para impedir que Lula assumisse o poder após sua eleição em 2022.

Essa suposta conspiração culminou no levante fracassado de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram o palácio presidencial, o Congresso e o Supremo Tribunal em Brasília.

No início de março, Lula teria dito a seu gabinete que queria evitar “inflamar” a atmosfera política.

Os comandantes militares também foram informados de que as forças armadas não deveriam celebrar um evento que alguns militares consideram uma “revolução” que salvou o Brasil do regime comunista.

Numa entrevista recente, Lula disse: “Estou mais preocupado com o golpe de janeiro de 2023 do que com o de 1964, quando eu tinha 17 anos. Isso agora pertence à história. Já causou o sofrimento que causou. O povo conquistou o direito de democratizar o país, e os generais que hoje estão no poder eram crianças naquela época”.

“Não vou ficar pensando nisso”, acrescentou Lula, prometendo “fazer o país avançar”.

A decisão de Lula e essa declaração horrorizaram aqueles cujos entes queridos morreram nas mãos da ditadura apoiada pelos EUA.

“Muito mais do que decepção, sinto indignação”, disse Suzana Lisboa, cujo companheiro, Luiz Eurico Tejera Lisboa , desapareceu em 1972, aos 24 anos, e acredita-se que tenha sido torturado até a morte. Seus restos mortais foram encontrados sete anos depois, enterrados em um cemitério paulista com outro nome.

“Como chefe de Estado, é dever [de Lula] assumir a responsabilidade de investigar crimes cometidos pelo Estado. Não se pode simplesmente apagar tudo como se nada tivesse acontecido… O Estado torturou, assassinou e desapareceu pessoas – isso não pode ficar sem resposta”, acrescentou Lisboa, ex-membro da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos e Políticos, que Bolsonaro encerrou pouco antes de sair do poder.

O fato de Lula não ter reativado essa comissão de investigação irritou ainda mais as famílias das vítimas.

“Sentimos-nos um pouco traídos”, disse Marcelo Rubens Paiva, um célebre escritor cujo pai político, Rubens Paiva, foi capturado nas ruas do Rio em 1971 para nunca mais ser visto. Seu assassinato só foi confirmado em 2014.

Paiva disse ter ficado surpreso com a decisão de Lula, já que o ex-sindicalista sempre foi “um grande aliado” das vítimas da ditadura e também foi vítima. O irmão de Lula, Frei Chico, sofreu horríveis sessões de tortura durante a década de 1970.

Até mesmo os aliados de Lula expressaram indignação.

Rui Falcão, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula, desafiou recentemente o ministro da Defesa sobre o “absurdo” cancelamento de eventos memoriais oficiais.

“As pessoas têm o direito de lembrar os seus mortos”, disse Falcão ao ministro, segundo o site de notícias Metrópoles.

O historiador João Roberto Martins Filho suspeita que a posição de Lula esteja ligada à possibilidade de que altas figuras militares de alto escalão que faziam parte da administração de Bolsonaro enfrentariam em breve prisão por suposto papel na conspiração para anular a eleição de Lula em 2022.

Essas figuras incluem o general Augusto Heleno, que foi chefe de segurança institucional de Bolsonaro; o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; e o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e chefe da Casa Civil de Bolsonaro.

Na semana passada, a Reuters noticiou que a Polícia Federal acreditava que o general Braga Netto havia planejado secretamente trazer tropas de forças especiais treinadas em técnicas de contra-insurgência para Brasília para provocar o caos que justificaria uma intervenção militar para manter Bolsonaro no poder. Os três homens negaram qualquer irregularidade, assim como Bolsonaro.

“O cálculo [de Lula] parece ser que este não é o momento para criar mais áreas de atrito [com os militares]”, disse Martins Filho.

O historiador disse que a decisão causou “insatisfação unânime” nos meios acadêmicos. “Não há ninguém que concorde com a afirmação de Lula de que o golpe de 1964 e o regime militar pertencem ao passado e devem permanecer lá.”

Paiva acredita que a ordem de Lula era o resultado de temores equivocados de que outro golpe pudesse ser tentado se os militares fossem provocados. Mas a alegada conspiração para derrubar o governo Lula falhou precisamente porque recebeu apoio insuficiente dos altos escalões militarres, argumentou Paiva.

Sessenta anos depois de tanques do exército terem invadido o Rio e forçado o presidente esquerdista João Goulart a deixar o poder, ainda há muito mistério sobre os crimes da ditadura.

Rubens Valente, autor de um livro sobre o impacto da ditadura nas comunidades indígenas, disse que isso é particularmente verdadeiro quando se trata dos descendentes dos povos originários do Brasil.

Um relatório da Comissão da Verdade de 2014 concluiu que pelo menos 8.350 indígenas perderam a vida depois de o regime ter lançado uma enorme campanha para desenvolver a Amazônia, construindo estradas em suas selvas. Essas estradas devastaram grupos indígenas não contatados, trazendo violência e doenças.

“A consequência direta da política da ditadura militar em relação à Amazônia foi o quase extermínio de inúmeras grupos étnicos”, disse Valente.

Mas a censura e a escassez de jornalistas no interior da Amazônia fizeram com que houvesse poucos registros escritos de tais crimes, disse Valente. A investigação e a memória são essenciais para evitar tragédias semelhantes no futuro.

Apesar da decisão de o governo não comemorar o aniversário de domingo, ativistas realizarão homenagens em todo o Brasil.

Lisboa, que participará de um em Porto Alegre, disse estar perplexa com o fato de Lula ter viajado recentemente à Argentina para apoiar as mães e avós das vítimas da ditadura de 1976-83, mas não ter feito o mesmo no Brasil.

Durante a sua primeira viagem internacional do atual mandato, o presidente Lula encontrou-se em Buenos Aires, em 23/01/2023, com grupo de mães e avós da Praça de Maio, coletivo de mulheres formado para cobrar explicações do Estado argentino pelo assassinato e desaparecimento de milhares de jovens durante a ditadura no país vizinho. Foto: Ricardo Stuckert/PR

“Fizemos a nossa parte [pela democracia]… e infelizmente nunca nos vi receber este tipo de reconhecimento da parte dele”, disse Lisboa.

Por Tom Phillips-Rio de Janeiro, no The Guardian

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