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Fotomontagem: Pedro Carvalhaes

Sendo fã de longa data de Madonna, fiz questão de ir ao show dela, no último dia 04, no qual ela celebrou não apenas seus 40 anos de carreira, mas também o amor, a diversidade e a liberdade.

Tudo isso diante de cerca de 1.600.000 pessoas, na mesma Copacabana em que, no último 21/04, o protofascismo tupiniquim demonstrou, em esvaziada manifestação, que sua degeneração qualitativa começa a se tornar também quantitativa.

O show da cantora foi alvo de duras críticas de setores reacionários, seja em função da agenda de costumes dos mesmos, seja em função do suposto dispêndio de recursos públicos na sua realização.

Jorge Seif , senador catarinense e bolsonarista, flagrado na apresentação, chegou a pedir desculpas ao seu eleitorado pelo “sacrilégio”, num dos mais surreais discursos já proferidos no Congresso.

Pego no mesmo “pecado”, o advogado e ex-chefe da Secom de Bolsonaro, Fabio Wajngarten , defendeu-se de uma estranha maneira.

Publicou em suas redes uma antiga foto de Madonna com Benjamin Netanyahu, de modo a associar a sua presença no show como um ato de apoio a uma artista defensora de Israel — ignorando, porém, tanto a circunstancialidade do encontro da cantora com o genocida, quanto conhecidas manifestações artísticas dela em prol da coexistência pacífica entre palestinos e israelenses, contrárias a tudo que o fundamentalismo do premiê israelense representa.

Também não faltaram críticas da extrema-direita a uma suposta indiferença dos organizadores com a tragédia climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul — sem levar em consideração a complexidade e a inviabilidade comercial de cancelar um evento de tal monta, a dois dias de sua realização.

Mas qual seria, de fato, o problema da “turma do retrovisor” com a rainha do Pop?

Convém refletir sobre os fascismos e seus afetos.

Nos anos 30 em que o nazismo passou de movimento para regime, o psicanalista austríaco Wilhelm Reich denunciou que a pulsão de morte era o afeto motriz dos fascismos clássicos.

Sigmund Freud, seu conterrâneo e colega , ainda antes, teorizou que a pulsão de vida tendia a vencer sua antípoda, na batalha pela psique humana — e é por isso que os fascismos primordiais , sempre baseados na pulsão de morte, autodestruíram-se todos.

Não se enganem. O show de Madonna incomodou muito parcelas reacionárias da população brasileira, mas não pelo alegado e falso dispêndio de dinheiro público.

O evento foi bancado majoritariamente pela iniciativa privada, e apenas em parte pelo setor público local, que inclusive demonstrou que o que se fez foi, na verdade, um belo investimento na economia e na imagem do Rio.

Também não foi por ter sido infelizmente realizado em meio à catástrofe gaúcha que o show de Madonna provocou tamanha ira do reacionarismo nacional — com direito à infantiloide acusação de que a cantora seria satanista, professada por um parlamentar extremista, não por acaso apelidado de “Chupetinha”



A rainha do Pop incomodou porque absolutamente tudo na “The Celebration Tour in Rio” , assim como nas suas quatro décadas de carreira, foi propositalmente feito para afrontar os valores deturpados hoje encampados por esse reacionarismo internacional, cuja expressão brasileira é apenas uma das faces.

A tônica do show era a da pulsão de vida absoluta, sem espaço para qualquer pulsão de morte, intercalando o sagrado e o profano, naturalizando a nudez e as sexualidades, e sempre levando ao tipo de reflexão e de contestação que fez da arte e dos artistas inimigos desde sempre dos ideários fascistas.

Num momento em que a chamada “teologia do domínio” utiliza a religião e seus medos para adestrar partidários, Madonna explicitamente convocou seu público a “não ter medo”.

Enquanto a extrema-direita demoniza toda e qualquer figura simbólica para o progressismo, Madonna ousou estampar diversas delas em telões, com destaque para algumas de origem brasileira — dentre elas, Marielle Franco, a ex-vereadora assassinada que, por razões que todos sabemos, tornou-se a mais simbólica vítima do bolsonarismo.

Tanto no palco, com uma profusão de dançarinos que exalava a diversidade em todos os seus aspectos, quanto na plateia, com um público absolutamente heterogêneo (seja em termos raciais, identitários, sociais, sexuais, nacionais e etários), o show mostrou-se uma verdadeira ode a uma sociedade igualitária, diversa e global, em clara afronta a elementos tão típicos do reacionarismo: a defesa da estratificação social, a legitimação do racismo, e o apelo a um nacionalismo histérico e vazio de significados reais.

Tudo ali foi afrontoso e ameaçador aos recalques que legitimam o deserto de ideias da mente fascista — incluindo a própria Madonna, que, aos 65 anos, belíssima, ativíssima e relevante, derruba as falácias do machismo e do etarismo em palco, afrontando a imagem tão reacionária da mulher “bela, recatada e do lar”.

Sem falar nos outros elementos do show: a destruição de qualquer dimorfismo sexual entre os dançarinos, a explícita sexualização de todo o espetáculo, as homenagens aos movimentos sociais e artísticos que Madonna vivenciou durante sua juventude, a denúncia da repressão a eles, e até mesmo uma tocante homenagem às estigmatizadas vítimas da aids, doença para a qual Madonna perdeu diversos amigos — e que ceifou as vidas de inúmeros brasileiros, alguns dos quais homenageados nos telões locais.

Provando que continua a contestadora de sempre, Madonna inclusive atualizou a polêmica performance da “Blond Ambition Tour”, na qual simula masturbar-se sobre uma cama — dessa vez, porém, literalmente com uma “mãozinha” de sua versão mais jovem, avatatizada por uma dançarina.

Para coroar sua afronta ao bolsonarismo, Madonna trouxe ao palco Anitta e Pabllo Vittar (artistas que incomodam o reacionarismo por variadas razões: ambas são de origem simples, ascenderam socialmente e representam uma geração para a qual o sexo, a sexualidade e a identidade de gênero não são tabu).

Em relação à Anitta, visivelmente tensa pela magnitude do evento e da anfitriã, Madonna inclusive protagonizou uma cena que viralizou: abriu as pernas daquela para que um dos dançarinos seminus simulasse sexo, no já antológico momento do show em que a rainha do Pop e sua trupe encenam um “ballroom”, com um convidado diferente e especial a cada apresentação.

Quanto à Pabllo, Madonna presenteou-a com os mais emblemático momento da noite: após cantar uma inédita versão da sua clássica “Music”, em ritmo de samba e com a presença de ritmistas mirins, a “Material Girl” tremulou a bandeira nacional, trajando a camiseta da CBF, juntamente com a cantora brasileira, numa clara representação da retomada dos dois símbolos que o protofascismo nacional, incapaz de se organizar como partido, roubou do País, desde 2013.

Nesse mesmo escopo, durante a execução da clássica “Vogue”, Madonna trajou um exclusivo corset verde e amarelo, criado por Jean Paul Gaultier, a partir de arte digital produzida por um fã brasileiro.

Tal foi o simbolismo desse resgate das cores nacionais das mãos do reacionarismo que a comunidade LGBTQIAPN+ já se prepara para sacramentar a desapropriação, comparecendo toda de verde e amarelo à Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo, em junho.

Assistir à tamanha multidão celebrando tão significante e simbólica “libertação”, em terras cariocas, guardadas as devidas proporções históricas, levou-me a recordar da clássica foto da missa campal que reuniu uma outra multidão de brasileiros, naquela mesma cidade, para celebrar a Lei Áurea, em 1888.

No mais, como se fosse um nocaute ao bolsonarismo (digno do momento do show em que simula no palco uma luta de box), Madonna, acredita-se, teria doado em segredo a maior parte do seu cachê para as vítimas das enchentes gaúchas, a um só tempo pulverizando as duas principais críticas urdidas pela máquina de desinformação da extrema-direita brasileira: a de que o show representaria um dispêndio de recursos públicos, bem como um desrespeito à tragédia do Rio Grande do Sul.

Afinal, sendo verídica a doação, na prática Madonna teria redistribuído recursos públicos que recebeu para o próprio Brasil, fazendo uma elegantíssima e significativa homenagem aos brasileiros que perdiam tanto, no momento em que ela recebia, no País, a maior prova de sua relevância profissional, após 40 anos de carreira: o show que entrou para a história como o maior já feito por uma artista feminina.

Obrigado e parabéns, Madonna Louise Veronica Ciccone!

Sua histórica e libertária passagem por Copacabana prova que, ironicamente, até mesmo o imperialismo estadunidense (sem o qual sua fantástica carreira talvez não tivesse sido tão grande) e o sistema bancário privado nacional (cujo patrocínio, através do Itaú, possibilitou aquele momento), dois dos maiores carcereiros da emancipação brasileira, têm um pequeno lado digno de algum aplauso.

Com informações do VioMundo

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